domingo, 14 de novembro de 2010

Porque me achastes só e egoísta

Com que prosápia não me deixastes um beijo

Por que me retalhou em desejos

Quando, extraviada, morria de tédio


Com que motim me tirastes do enfado

De que folhetim buscastes motivo

Com que motes e astúcia me persuadistes

Quando, extraviada, morria de medo


Por que não me violastes por completo

E me concentrastes na sorte, com que me endireito

E me comovestes, só, com que me converto


Por que me cunhastes preferida

Com que maldade essa primazia pôde me transgredir

Quando, extraviada, morria de frio

(e pedia secretamente piedade)



Chicho Buarque

Soneto

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"Porque te amo

Deverias ao menos te deter

Um instante

Como as pessoas fazem

Quando vêem a petúnia

Ou a chuva de granizo.

Porque te amo

Deveria a teus olhos parecer

Uma outra Ariana

Não essa que te louva

A cada verso

Mas outra

Reverso de sua própria placidez

Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,

é que me faço assim tão simultânea

Madura, adolescente

E por isso talvez

Te aborreças de mim"


Ode Descontínua e Remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio. - Hilda Hilst

terça-feira, 28 de abril de 2009

Canela

Ele canta bem. Ou seria apenas um fascínio? Numa dessas noites em que falamos horas e horas e a sua voz soava em tom musical, acompanhado de violão, citamos aquele pensador, que elogiava a loucura. O filósofo, num capítulo sobre cupidos, dizia que a paixão cega. Se assim for, certamente a cegueira também cobre os ouvidos.
E as notas mancharam nós dois, desbotando no som de um só ritmo de pulsação.
Penhorei desde aí uma significância, como que uma resposta ao que seu sorriso me propiciava (lembrei da sua cara de travesso, presa na infância pendurada na parede, que me desanuviou), então eu tive a certeza de preferir ouvir coisas de amor a andar sozinha. Anteponho, agora, o sentir – emoção, quase sempre gélida em mim e pulverizada nele. Prazer inócuo, que antes me privava com ou sem motivos.Agora, rendo-me a apegos. Rendo-me a ele, a seus beijos e abraços. Quando me debruço em seus braços e me conforto, seguro teso a tua mão que me afaga, divago meus olhos nos seus e obedeço às minhas vontades. Mas, só por hoje. Enquanto não termina essa noite longa de solstício de inverno. Porque tenho dúvidas, tenho medo, de amanhã não ser mais a mesma. Por isso, temo que seja melhor ele levar consigo esses sentimentos aguçados. Ainda não sei se consigo senti-los. Ou não. Deixa-os comigo, porque a vontade agora é risco. Arrisco-me e subverto sentimentos. Ele não entende por que faço destes razão. Não compreende por que sinto tão friamente as palavras e não as deixo escaparem. Ele não consegue enxergar as sinceras e quase claras expressões do meu rosto. Culpo-me. Não mudo. Tento. Tomo um café com canela, fito o telefone, ligo, não ligo, ligo.
Não ligo. Escrevo. “Por que você faz isso?”, ele se inquieta.



[ “Si ella te habla así, con tantos rodeos, es para ti seducir y te ver buscando el sentido de lo que usted escucharia ungracious. Si ella te fuestes directa, usted a la rechazaria.” ]

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sem tempo para crises e melancolia, deixo a chuva lavar e levar consigo toda a vida que passa, e que passa distraída - sem que eu perceba a significância de cada fragmento. Sei que quando a enchente se formar, estarei na poça acumulada de cada dia passado displicentemente, de cada noite vã, tão calma e silenciosa e seca! Precisava de ar e não tinha sequer uma fresta. Meus ouvidos já não me ouviam. O desejo de pensar era assoprado com as folhas daquele inverno (mera paisagem emoldurada na poeira). Hoje, os gritos desafinados evacuam-se e o orgulho me pisa a cabeça. Esmagada por minha própria agonia, acendo uma vela e me crepito em preces desesperadas. Aonde estará o ápice desse martírio? Pergunto-me, afim de esclarecer-me e, enfim, esclareço-me: é que o dia hoje amanheceu descortinado. Num azul ''tão bonito que dá gosto"(é primavera). Porque hoje ganhei flores de cacau, notas em clave de sol (que parecem querer hospedar-se no verão, e na nova era de estações, cores, humores e amores. Esse sol que é lindo e que, intenso, quer deitar em mim...).

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Lua, nua, rua.

Madrugada. Cerração de portas. De bares. De ares. Neblina espessa de desejos.
Praça. Árvores.
Bancos, três.
Lua, nua, rua.
Pulsante nos corredores
correndo dos pudores, fugindo para os pudendos sem poder. Porque somos comprometidos com o limite, com a vergonha, insinuada pelos cala-frios. Cale, frio.Calou.
Calor, suor.
Suas?
- Não. Não somos suas.
- Sei, vocês são suas.
Sei-o pueril e sazonado ao mesmo tempo.
Tempo!
Seis horas.
e a lua ainda não finda.
A rua,
ainda peleja por arrastar novas horas e desrespeitar sinais.
Porque hoje e, só hoje, nuas de receio e egoísmo, despertaremos libidos proibidos.
Lua, nua, rua.

sábado, 22 de novembro de 2008

Brotou
Rubro
Em teu cabelo,
cresceu mulher
em tua cabeça
amadureceu,
eu , você
e agora somos jovens e distantes.
Mas nunca sozinhas no caminho,
onde até as pedras são companheiras de viagem.


[Para a moça que embarcou no Atlântico rumo à metrópole - Portugal - e deixou saudades na colônia inteira de amigos.]

sábado, 8 de novembro de 2008

'Fingir, na hora, rir'

Você me espreita, eu sei.
Nas suas asas de gigante Homem
E finge que despreza a inerente,
Impregnada, ignorada
Alma no seu espaldar.

Passo o punho,
Dedilho devagar por sua exausta coluna
E você divaga os olhares
Afim de não compreender,
Ou parecer.

Finge que não me percebe.
Mas estou aqui.
Sobreposta em seu corpo hirto
Por sentimentos sem definição,
Quase apodrecidos.
Adubam-se, regam-se por natureza.
E se eternizam em chamas involáteis
e sorrisos perdidos.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Nem pior nem melhor
"nem isso nem aquilo"
É tristeza fingida de cansaço
Vou-me embora, agora.
Assolar no travesseiro
Essa dor que me afoga,
Por não ter quem a afague.
Essa dor da cor, do cheiro
Da flor-última que me destes
Nos tempos da indelicadeza
Matizados de vermelho-claro-e rosa,
- hoje quase desbotados -,
A não ser pelos temperos
(às vezes ásperos)
Que as conservam
Em cores vivas
(às vezes lacrimejante)
Suavemente amalgamados em perfumes
De odores passados, nostálgicos.
Dos passados vividos e não.
Dos futuros sonhados e realizáveis.
Do presente – a flor-última que me tiras
E que esmaga no terreno infértil, não adubado,
Que dirá regado de águas destiladas,
Sinceras,
Pura.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

o anti-social, ou anti-superficial.

Esse menino de vermelho precisa de invólucro.
Sentado, os pés hiperativos fazem batuque no assoalho, as mãos, à procura de distração tomam a taça sobre a mesa. Bebe, bebe com uma sede breve e melancólica. Seus olhos fugidios não encontram alguém que possa ser de sua família. Como é possível? Se na mesma mesa, seu pai e sua mãe tagarelam, e sua irmã, de um cabelo liso tão semelhante ao seu, come com classe um salgadinho, fechando o círculo dos superficiais?
Esse menino, de traje impróprio e inseguro, que se sente tão diferente dos outros, precisa ser ouvido. Ele precisa de alguém que lhe dê atenção, que lhe dê abraço.
O que ele não sabe, é que quando se sentir protegido, vai clamar por liberdade.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Chronos

Meus pensamentos turvos se opõem à razão que você tanto busca me impor.
O gosto dos seus conselhos tem efeito anuviante, deixando-me cinza e efusiva.
Não gosto.
O tamanho da minha arrogância nisso ainda é menor que a sua prepotência.
Não me chamo mais Menina. Respeite o tempo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Depois do casulo.

Tenta recordar, ele, ela, juntos. Um surto de vaidade o fez olhar no espelho mais atentamente. Novos contornos, espessuras, superfície antes lisa e branda, agora brotava rosa de broto amarelo. O refletor que cobria dos pés aos cabelos, reflete agora somente aquilo que lhe é simbólico. Ela não cabe mais dentro dele. A perfeita simbiose se desfaz, ficando apenas os estilhaços em fotos recortadas e recordadas. O apoptose dos sentidos foi brusco, por pouco ele não se adaptou à voz estremecida, indecisa, que por fim afinou-se. Rouca, com insinuações maduras. Ela, arredondada como uma pêra, deixou de lado o Tesouro da Juventude, o pique, o carrinho e a boneca. Era hora de aprender a lidar com o vermelho. Vermelho em dois tons, um físico, outro afetivo. O espelho apontava nela o significativo dos traços rugosos. O ferrugem nele ferro fazia se sentir sólido estático. Eles fecham os olhos com medo dessa janela - espelhar, medo medo medo, covardes são. Mas quem aceita de bom grado mudanças? Quem se arrisca a sair eternamente do casulo metamórfico, e não ser mais você, ele ou ela, ambos? Imagem fragmentada mostra a escamação pubiana, escamoteados pela timidez. Casca seca, rachaduras; é preciso trocar de roupa.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Conversa de sado-masoquistas

-... Pois é, Juma, hoje eu disse para o Vassalo que o amava.
- Como assim, Susserana? Ontem mesmo você me disse que pensava em terminar o namoro, pois não conseguia gostar dele.
- Então... Pensei bem e percebi que esse amor de subserviência do Vá me trará vantagens. Um mal necessário, sabe?
- Nossa! ...mas você acha certo, Su, sustentar um amor por mentira?
- Ah... Não dói em mim mesmo.
-...
- Mas.. E você, Juma, já se esqueceu do Donatário?
- Não...
- E acha certa continuar sustentando um amor pela fantasia?
- Também não.
- Então porque não diz logo que ama o garoto, menina?
- Eu não posso supor o que eu nem sei o que é.
- Você não sabe se o ama?
- Sei sim. Eu amo o Don. Mas não sei o que é esse tal de amor.
- Ah... Sim. Entendi. E... Então, você vai continuar nessa de fantasia até quando?
- Não sei. Não tenho pressa em me abrir. O que eu sei é que você não tem idéia do quanto sofro com isso.
- Poxa.. Já que não consegue se abrir, então por que não o esquece?
- Ah. Porque eu gosto mesmo é de sofrer.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Quinta-feira

Como quem não quer nada
Arrisco-me no bem-me-quer/mal-me-quer
Ainda que cedo ou tarde.
Não há problemas, nós sempre nos atrasamos mesmo.
Afinal, o que são sete vidas, sete planos
Sete altares, sete minutos?

Tarde é deixar de perder
O ônibus no meio do medo,
No meio da fala desencorajada.

Onde está a sede que antes sentia?
Sede que me fazia beber até suar?
Largada no chafariz central?

Luz anêmica,
Vertigem,
E o estômago pede janta.
Já é noite, meu amigo.
Cadê as palavras? Voando?
Trate, então, de pegá-las.
Logo. Que daqui a pouco
A madrugada estará
Passando pela metamorfose lunar.
Pegue, logo.
Que já é outro dia.



(Sentiu o imperativo?)

sábado, 26 de julho de 2008

Correntezas
à vagar.
Vaga no porta-malas
da cabeça ôca.
esvaziada de tanto
que tentou expelir
as atormentações.
Um sopro uma fuga
uma emigração de pensamentos
lineares e bem analisados
numa íntegra métrica
graficamente traduzidos
insistentemente calculados

depois que o tudo
passou a ser nada
fiquei perdida
no desvario
do meu vazio.
Vida,
gire à desentreter a razão
distraia o meu coração
que sofre de tanto ser pensado.


roda vida, roda
suplico-te pelo menos
meia volta.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

... Love, still far

Tanta arte - para quê - tanta fantasia?
Meu amor não quer mais
não quer mais
apoiar-se naqueles fios falsos,
nas lágrimas sem sal e sem sentido
vãs, vãs!
são o que são essas águas
mal choradas e não vividas

não servem para nada
nadam, pois, na minha face
sensível que lhes dá serventia

lubrificam meus olhos
desembaraçam a minha visão
para que nitidamente eu veja
o que existe e o que não.

para que eu saiba
e seja sábia
quando tiver que abandonar
para sempre esse sentimento
angustiante pegajoso inseguro
lastimável , utópico?

quando o amargo do real
cair sobre o mel da fantasia
quando eu tiver medo
e insistir no mito

vou gritar para expulsar
o azedume que me fere
e fazer um chá calmante
pra cessar os ventos ruins
e deitar no calor da calmaria.




quarta-feira, 16 de julho de 2008

Love, so far

Lembro e relembro
Chamo, murmuro um pouco de atenção
Da imagem jamais vista
Mas que se mantem presente em minha memória
Sob letras datilografadas
E em minha agenda de linhas pretas
E letras cinzas nas entrelinhas.
Também numa parte emblemática
De meu corpo turvo
Escondida e sublinhada
Pelas células turgidas de amor

Entre os fios da insegurança
Ele se equilibra :
Esse não-garantido e não-admitido amor.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Porta
Poeta
Portal
Poesia
Poeira
Parnasiana
Métrica desmedida
Alinhando
O corpo desalinhado
Da porta apertada
Metrificada
Da vala ladeada
Da vida.

terça-feira, 17 de junho de 2008


No fim do túnel além da luz
Há uma porta
Bem lá no fundo
Ao acaso
E caso ele se esqueça da chave
Não importa
Ainda tem a luz
Acima do braço direito
Ela brilha enleia aos olhos dele

...Enquanto ele se envolve
Sem perceber, a luz vai perdendo calor
E ele, quanto mais se deixa comprometer-se
Vai absorvendo veemente
A veemência dela

Num único lume
A luz, o homem
Entregam-se no cume da temperatura mais alta

...mas ele regressa

Lembrou-se de onde guardara a chave
A chave!
No bolso frio esquerdo
A mão toca-a: choque térmico!

terça-feira, 20 de maio de 2008

Nada mais que isso.

Uma grama pra deitar
Um aconchego pra acalmar
Um ar fresco pra respirar
Tudo que quero
Num dia quente de domingo

Menos aflição
Mais libertação
Menos agonia
Mais calmaria

Menos chama
De um fogaréu extasiado
Cansado

Mais vida fresca
Ordenada
Menos confusa
Menos astuta
Menos traiçoeira

Quero deitar na fantasia
Sair um pouco da realidade
E viver poesia...

[num papel rosa com perfume, dentro de um envelope branco]

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Segunda-feira

Segunda-feira
O sol nasce
Seus olhos se abrem
Nasces tu
Nasce novidade
Nova és tu
De mente sã
Levanta automaticamente
Cambaleante
Como se o mundo
Fora do inconsciente
Fosse incomum

Na vertigem,
Anda até a clareira
Onde alivia
A insônia do outro mundo
O mundo dos sonhos
Do qual não quer acordar.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Quando anularam minha alma

O diálogo foi rápido e capaz de uma só vez me tirar a pouca convicção que tinha quanto a minha existência e ao meu preço vil.
Foi como se sugassem toda a minha vitalidade que se manifesta nas cores e brilho da minha face, fazendo-me ficar anêmica de alma. Levando comigo, no corredor que seguia, a sensatez de inexistência e a fome de voltar a ser não só carne e osso.
Esta fome, ao mesmo tempo em que queria ser preenchida, queria também se afundar e se esmagar para não ser percebida.
A parte displicente e aparente de mim derramava o líquido rejeitado(extamente como me sentia, desprezada) : escretas reduzidas ao gosto suave e salgado, doce e amargo. Expeliam-se e depois se escorriam sobre minha casca até chegar à mesa onde, apoiados os braços, me debruçava. E via, por entre a visão embaçada, as poças reprimidas que se formavam em meio a madeira manchada de números e rabiscos. Abaixei a cabeça buscando me fechar contra todos. No rosto, os rastros secos de lágrimas aborrecidas. Nos olhos fugazes, a busca por respostas tranqüilizantes (e tudo que obtive naquele momento foi a confirmação de uma verdade que eu tentava não pensar). Me senti extraída do meu próprio meio e após soluços, falsas compaixões e hipócritas abraços, absorvi, novamente, o sopro.
[é que nesse mundo somos obrigados a ser feliz.]

O Quarto

Lugar de descanso
De descaso
Fraqueza, cansaço
Por vezes se mostrar mórbido
Banal
Tranqüilo mas não frio

O Quarto é terno
Tenro acolhedor
Acolhe suas dores
Que por algures se perde
Ao entrar no espelho brando
De sua alma - O Quarto

É a personificação do seu eu
O fenótipo das emoções mais profundas
A manifestação em cores formas
Dos devaneios guardados
Dos sonhos nunca seqüestrados

O Quarto é a sua única
E verdadeira liberdade.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Eu mudei
Meu quarto mudou
Ventos pretéritos não presenciarei
Tudo se foi e não mais voltou

Eu mudei
E ninguém reparou
De sapatos novos passei
Nenhuma lástima se formou

Hoje com calma eu vou
As lembranças, é claro, transitou
Mas jamais volverei

Eu mudei
Meu mundo mudou
Volúvel eu sou.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Desespero.

Tudo penso, nada escrevo. E assim, vejo um alfabeto inteiro se perdendo dentro de mim. Caneta enferrujada. Mão inerte sobre a folha, na espera ociosa e ansiosa de palavras e contextos coerentes ou não, descrever em poesia as cores da vida e dissertar em prosa suas nuances descoloridas. Desboto de humores variantes. Penso. E, enquanto vou sendo devorada por pensamentos, procuro uma fresta para respirar. Desabafar. E , enfim, articular letras. Letras estas que, no momento andam tímidas dentro de mim. Eis aqui o meu desespero. Pois bem! Colocarei tinta infinda na caneta, costurarei letras franzidas, e jantarei uma sopa de letrinhas para que a vida, a arte, nunca estejam completamente mortas.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Socorro

Alguém quer respirar
Alguém quer ser abraçado
Ninguém mais quer acreditar
Na irrealidade do sonho desperdiçado.

Ela não quer mais ser ilustrada
Por qualquer rascunho.

Ela não quer mais ser um quadro
Pintado a mãos persuasivas e fingidas,
Nem por poemas escritos
Por mãos carentes de sinceridade,
Ou mesmo por fotografias
De uma natureza morta
Como sono sem sonho.


Por que ela ainda sonha
Com um abraço apertado
De vontades nunca satisfeitas
(talvez pela insuficiência da reciprocidade).

Às vezes, lembranças se bastam,
Posto que imaginadas.
E, ainda assim,
Ela aspira pelo encontro concreto.

Ela, a Saudade,
Ainda deseja um encontro
Fora de qualquer arte inanimada.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A troca.

Era noite.
Sob aquele céu azul-tímido, que teimava em se esconder atrás da obscuridade os seus astros covardes e cheios de incertezas, que mal sabia o valor de suas víceras ocultadas pela insegurança de expor todo o seu brilho, estava aquela Luneta, que o admirava da superfície das certezas terrestres. Ela se indignava com a cena superficial vista de longe. E mesmo que forjasse o máximo zoom possível de sua lente, ainda sentiria um distanciamento do recôndito céu.
Ela adorava poder vê-lo, mesmo que pálido e trancado com chaves de solidão. Tudo que a Luneta mais queria, era construir um arranha-céu de ternura, para conquistar a proximidade, encurtar a distância e acertar a chave da porta de ferro do adorado céu. Mas era impossível.
De súbito, pôs-se a chorar enraivecida.
O céu, ah, o céu continuava sem manifesto. Trancafiado.
Fadigada da vã insistência e, pela primeira vez, Luneta sentiu desânimo de observá-lo. Então, fechou-se contra a escuridão de seu interior.
Era dia.
Uma luz amarela audaciosa atravessou sua face acordando-a.
Inocente, deixou-se por enganar pela aurora simpática de todos os dias. E, como todas as outras púberes e ingênuas lunetas, apaixonou-se pelo banal astro-rei. Um popstar, sempre vaidoso e iluminado. Ele não fazia questão de esconder o seu orgulho ao ver o imenso fã-clube dependente de sua luz. Dentre as adoradoras alienadas pelo aparente e conquistador brilho, estava a Luneta, que um dia trocou a noite de um céu duvidoso, por um incerto sol.
Os olhos do dia se fecharam.
Era noite.
Inesperadamente, entra em palco daquele ex-tímido céu azul, uma estrela encantadora, de beleza infinda, e pompa cintilante. Na tentativa de chamar a preciosa atenção da Luneta. Porém, de nada adiantara. Pois a presença tardia do céu, já não fazia mais sentido para ela. Nem mesmo os relâmpagos, trovões e a tempestade que se seguiam não despertava interesse algum na então desiludida luneta.
Ainda noite e o Céu chora (numa sensível transparência como aquela lágrima-de-chuva que caía).

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Tênia


O cão solitário
inocente e cansado
em seu ócio, descança
a beira da estrada,
após andanças.

Peregrino
entre calçada e asfalto
da ironia do destino
observa e é observado
pelo artista sem pena
que fotográfa a conformidade
do miserável
que não ousou olhar para cena
inefável
detrás de suas costas.
Pobre diabo,
não pôde nem perceber
a beleza do azul anil da fé
sobre o verde-esperança.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Sonho

Já que não podemos viajar...
Vamos em sonho. Você daí e eu de cá. Deitados e, ao mesmo tempo, viajando por todo lugar. Num devaneio em comum. Iremos até as nuvens de algodão, se quiser. E quero andar de balão também, vem comigo? Naqueles bem grande, vermelho. Quando pousarmos, estaremos debaixo de uma macieira, você me dará pezinho, e eu subirei para pegar maçã pra gente. Enquanto isso, você estará fitando como um vigia para não deixar que ninguém invada o nosso momento, a nossa viagem. Então, eu descerei, e forraremos às quatro mãos o lençol xadrezinho. Abriremos a

cesta de doces, onde teria beijinho, brigadeiro e quindim.
Pic-nic, pega-pega e esconde-esconde.
Depois de fartos de guloseimas e de termos corrido em círculos ao redor da árvore, numa brincadeira de roda da infância tardia, deitaremos na graminha verde, fofa e úmida, e ali, cairemos num marasmo por alguns preguiçosos minutos.
Acordaremos com a sinfonia dos pássaros e, ao olharmos um ao outro, riríamos das nossas caras ainda amassadas, para depois nos apertarmos num eterno abraço (acreditando que assim não acordaríamos nunca).

E ninguém vai invadir, pois os cercamentos de rosas , aparentemente atraentes e sentimentalmente espinhosas, não vão deixar ninguém ultrapassar, pois o sonho pertence a nós, é nosso! E eu não quero compartilhar com mais ninguém a viagem mais bem imaginada, e tão sonhada da minha vida. Que um dia há de deixar de ser tão surreal e se concretizar...

[Se VOCÊ ainda estiver dormindo, faça das reticências completude do nosso sonho, dando linha a ele, por favor.]

Sinestesia

Escuto o barulho do sol batendo na janela
Que me tira a atenção e me faz voltar para ela
Em um giro de 90° a luz me deixa respirar
Clareando as minhas idéias
E minhas angústias a defenestrar .
:S

domingo, 4 de novembro de 2007

Simples

Simples como a própria palavra
complexa para um analfabeto
mediana para medíocres
simples, adorável doce
ou
dos mais terríveis doces
aqueles que te trás prazeres volúpios e efêmeros
que não enche barris de água (ou algo mais amargo),
pois estão perfurados pelas dores da desilusão
como doce ouropél, falso e chamativo.
ou
aqueles que se adequam ao nome
doce, que adoçam a vida.
Pois são eles, a própria vida.
Enchem barris de mel, mas não enjoa,
simplesmente porque estes barris não tem furos,
e assim, satisfatoriamente preenchem a vida simples
tão simples quanto este poema sem rimas.
Só porque ''a vida é um doce...doce mel."