domingo, 14 de novembro de 2010

Porque me achastes só e egoísta

Com que prosápia não me deixastes um beijo

Por que me retalhou em desejos

Quando, extraviada, morria de tédio


Com que motim me tirastes do enfado

De que folhetim buscastes motivo

Com que motes e astúcia me persuadistes

Quando, extraviada, morria de medo


Por que não me violastes por completo

E me concentrastes na sorte, com que me endireito

E me comovestes, só, com que me converto


Por que me cunhastes preferida

Com que maldade essa primazia pôde me transgredir

Quando, extraviada, morria de frio

(e pedia secretamente piedade)



Chicho Buarque

Soneto

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio