terça-feira, 28 de abril de 2009

Canela

Ele canta bem. Ou seria apenas um fascínio? Numa dessas noites em que falamos horas e horas e a sua voz soava em tom musical, acompanhado de violão, citamos aquele pensador, que elogiava a loucura. O filósofo, num capítulo sobre cupidos, dizia que a paixão cega. Se assim for, certamente a cegueira também cobre os ouvidos.
E as notas mancharam nós dois, desbotando no som de um só ritmo de pulsação.
Penhorei desde aí uma significância, como que uma resposta ao que seu sorriso me propiciava (lembrei da sua cara de travesso, presa na infância pendurada na parede, que me desanuviou), então eu tive a certeza de preferir ouvir coisas de amor a andar sozinha. Anteponho, agora, o sentir – emoção, quase sempre gélida em mim e pulverizada nele. Prazer inócuo, que antes me privava com ou sem motivos.Agora, rendo-me a apegos. Rendo-me a ele, a seus beijos e abraços. Quando me debruço em seus braços e me conforto, seguro teso a tua mão que me afaga, divago meus olhos nos seus e obedeço às minhas vontades. Mas, só por hoje. Enquanto não termina essa noite longa de solstício de inverno. Porque tenho dúvidas, tenho medo, de amanhã não ser mais a mesma. Por isso, temo que seja melhor ele levar consigo esses sentimentos aguçados. Ainda não sei se consigo senti-los. Ou não. Deixa-os comigo, porque a vontade agora é risco. Arrisco-me e subverto sentimentos. Ele não entende por que faço destes razão. Não compreende por que sinto tão friamente as palavras e não as deixo escaparem. Ele não consegue enxergar as sinceras e quase claras expressões do meu rosto. Culpo-me. Não mudo. Tento. Tomo um café com canela, fito o telefone, ligo, não ligo, ligo.
Não ligo. Escrevo. “Por que você faz isso?”, ele se inquieta.



[ “Si ella te habla así, con tantos rodeos, es para ti seducir y te ver buscando el sentido de lo que usted escucharia ungracious. Si ella te fuestes directa, usted a la rechazaria.” ]

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Sem tempo para crises e melancolia, deixo a chuva lavar e levar consigo toda a vida que passa, e que passa distraída - sem que eu perceba a significância de cada fragmento. Sei que quando a enchente se formar, estarei na poça acumulada de cada dia passado displicentemente, de cada noite vã, tão calma e silenciosa e seca! Precisava de ar e não tinha sequer uma fresta. Meus ouvidos já não me ouviam. O desejo de pensar era assoprado com as folhas daquele inverno (mera paisagem emoldurada na poeira). Hoje, os gritos desafinados evacuam-se e o orgulho me pisa a cabeça. Esmagada por minha própria agonia, acendo uma vela e me crepito em preces desesperadas. Aonde estará o ápice desse martírio? Pergunto-me, afim de esclarecer-me e, enfim, esclareço-me: é que o dia hoje amanheceu descortinado. Num azul ''tão bonito que dá gosto"(é primavera). Porque hoje ganhei flores de cacau, notas em clave de sol (que parecem querer hospedar-se no verão, e na nova era de estações, cores, humores e amores. Esse sol que é lindo e que, intenso, quer deitar em mim...).